sábado, julho 02, 2005

Era Novembro.
Naquela manhã fria, sentei-me na soleira de uma velha porta esperando que uns amigos me viessem buscar para nos integrarmos na mobilização maciça da Universidade de Lisboa, de apoio às vítimas das inundações.
Tanto quanto me recordo morreram para cima de 600 pessoas, assim, estupidamente, nas imediações da capital do Império.
Já havia guerra em África, eu tinha 22 anos, a Ideia de uma Europa de solidariedade, de fraternidade, de cidadãos inteiros.
Dois anos depois era o Maio de 68, o tempo em que era “proibido proibir”: nada voltou a ser como era, para melhor, digo eu.
Os anos sessenta, a Utopia, o Sonho, a Música, o Poder das Flores, a Palavra, o Amor, a Revolução.
Como programa, não se pode dizer que lhe faltasse ambição !!!
Passou então um Homem simples, pela vestimenta e por tudo o resto notoriamente pessoa das classes mais desfavorecidas, como por pudor (?) se quer esconder a palavra pobres.
Bom, mau, velhaco, santo, egoísta, generoso, seria talvez um pouco de tudo isso, como quase todos nós, mas que importa, era apenas um homem, a caminho do seu trabalho, no princípio daquela manhã límpida e serena de Inverno.
A tormenta que se tinha abatido umas noites antes sobre a cidade, essa, já tinha passado.
Ficaram apenas os mortos, os desalojados, a confusão, uma vaga sugestão de mau planeamento urbanístico, com a construção sobre linhas de água a provocar a cheia.
A água inocente não tinha para onde se escapar, só podia subir. E subiu mesmo.
Nada de responsabilidades, como é costume.
O Homem passou-me então para as mãos o jornal que levava, dizendo: lê, que faz bem, pode ser que chegues a Ministro !
Não cheguei a Ministro, meu caro amigo.
Mas deste-me a primeira lição de solidariedade concreta da minha vida.
Que fizemos das palavras ?

1 Comments:

Blogger a Mulher de César said...

A água limpa, lava, varre tudo à sua frente. Quantas emoções contidas não veio essa enxurrada libertar?

5:32 da manhã  

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