sexta-feira, janeiro 05, 2018


GENÉVE, a minha amiga

Uns "plateaux de fromage" em casa dela, numa daquelas aldeias "charmosas" nos arredores de Genéve. Era bonita de se ver a campagne genevoise, lá de cima, quando o avião já em preparação da aterragem se aproximava de casa.
Um bom Bourgogne, uma lareira acesa, a neve lá fora com uns amigos suiços, tardes silenciosas, cúmplices, ouvindo música clássica, talvez Mahler, opção do seu namorado da altura. 
Gente que vivera o Maio 68, tinham passado 10 anos. Ligados então ao ensino, ao cinema, ao sonho. 
O tempo deles dentro do Tempo.
Alguns portugueses, uns vieram a ser políticos, homens de cultura, até lhes deram o nome de grupo, nomes da nossa nomenclatura, alguns ainda, outros já não.
A estranha quietude inquieta que nos movia, em Genéve, onde nas paredes cinzentas da Universidade ainda se liam resquícios de Maio, "les murs s'ennuient", como em Paris  
Os "petit cafés" no "chez Óscar", os jornais que na altura se podiam retirar livremente dos seus postos de distribuição, sem vendedor, era suposto que depois de introduzida a moedinha de boa cobrança.
Lembro uma certa manhã primaveril, em que os fiscais apanharam um prevaricador da boa norma, levando-o para o posto de polícia. Falando a mesma língua, lá o acompanhei para prestar algum apoio, que se traduziu num pedido de desculpas formal e pela moeda em falta. 
Livre e já na rua o homem, de boa catadura, agradeceu-me sem saber muito bem como, não me lembro de alguma vez ter visto alguém mais envergonhado, pelo preço de um jornal. "La Tribune de Genéve".
No lago o "jet d'eau" sempre vivo, a "bise" gelada a entranhar-se ossos dentro, uma pizzeria "au feu de bois" onde sabia bem entrar, não só pela qualidade delas, mas pela qualidade do calor. Os cisnes e os patos, recolhidos e alimentados por voluntários que os protegiam dos rigores invernais.
Na brasserie Landolt umas cervejas de vez em quando, mas já não andava por lá o Lenine, nem a sua revolução, nem nada disso, apenas a tradição, a imagem, a notoriedade, o passado e a qualidade dela, da cerveja. Ali bem perto a universidade, a place du grand palais, a feirinha semanal de antiguidades e velharias.
Na televisão, o "apostrophes", que o Bernard Pivot a partir de Paris trazia a nossas casas, visão obrigatória, o mundo das letras ao nosso alcance, com tudo o que de melhor da literatura francófona e seus autores, lá vi e ouvi alguns dos maiores vultos, os "Goncourt", os "Médicis", os "Renaudot", os "Fémina". 
Ainda não Modiano, mas ainda Camus, Sartre, Romain Rolland, Mauriac. Já, Le Clézio, Max Gallo e mais uns tantos.
No final da década de 70, a amiga casou, a mais exuberante, a mais viva, de uma personalidade bem mais rica do que pareceria. Era ela, não me lembro do marido.
Casamento na altura era encarado assim como um pequeno barco a remos, sem remos, metido mar fora. Quanta incerteza. Remos a serem afinados pelos próprios, rota segundo o saber manejar melhor ou pior o leme, mas sempre de proa face ao mar, à onda incessante a pedir uma atenção permanente. 
Remar, remar muito, quanta energia, quanta vontade, quanta arte para não meter demasiada água e afundar. Para fazer frente, sempre, mas muitos não resistiram, quem me conhece sabe disso.
Casamento reservado apenas aos noivos e aos padrinhos, umas palavras apenas para de algum modo fazer também meu aquele momento.
Lembro-me bem porque uns tempos mais tarde almocei com a minha amiga num daqueles restaurantes à beira do lago, na margem direita, talvez em Nyon, ela me disse que tinha sido o presente que mais a tinha surpreendido, de que não se esqueceria. Nunca mais. Dizia assim, citando de memória:
"Un regard, un geste, un sourire, l'amour, peut-être".

Não me lembro do nome dela, da minha amiga de genéve.