A beleza da curva
A cidade é considerada a precursora do séc. XXI.
Assim a pensaram Lúcio Costa e Óscar Niemeyer, nomes de referência da criação de Brasília, sob o impulso de JK, Presidente do Brasil e visionário do Brasil do futuro e da sua nova centralidade, a do rompimento para o interior.
A cidade da Utopia e da Modernidade, como escrito à entrada do Museu Nacional, inaugurado há poucos anos.
Cidade com a forma de um colibri, voando para Ocidente. A cabeça da ave é a sua zona de Feiras e Congressos, a torre da TV, o estádio Mané Garrincha, o Parque de Brasília, o pôr do Sol espectacular neste "Inverno" ( a palavra perde todo o seu conteúdo europeu, neste país abraçado pelo calor, salvo lá mais para o Sul) de clima seco em que só as noites são ligeiramente frescas, talvez a saudade da lã leve e acariciadora.
A Nascente, na cauda do colibri, a zona monumental da cidade e a sua praça dos Três Poderes, com o Palácio Alvorada da Presidência da República, o Palácio do Supremo Tribunal de Justiça ( como sempre, a Justiça não precisa de nomes que melhor a identifiquem ), o Palácio do Congresso e da Câmara dos Deputados.
No Centro da Praça a escultura ( duas figuras humanas estilizadas ) de homenagem aos que construíram Brasília, os Bandeirantes.
Ex libris de Brasília, imagem e ícone da cidade, este conjunto de indiscutível beleza arquitectónica é conhecido em todo o Mundo, mas ainda demasiado jovem para ter alma e demasiado grande para a escala do Homem que aprecia o conceito de vizinhança.
A Catedral de Brasília, um pouco antes dos Poderes, a precisar de manutenção e que se dilui na imensidão do Eixo Monumental, ligação rodoviária entre o Leste e o Oeste: a cauda e a cabeça do cólibri, com 4 faixas de rodagem em cada sentido, entre elas enorme espaço de jardim relvado ( bem, agora está seco, há 4 meses que não chove, é normal ) , bem mais largo do que o Eixão ( com a eficácia verbal dos brasileiros este designa a ligação Norte/Sul) e do que o Eixinho ( paralelo ao Eixão...).
Imagine-se o que é atravessar a pé um deste Eixos, onde as passagens para peões são quase inexistentes e ainda com uma particularidade: atravessa-se uma faixa, depois andam-se umas dezenas de metros para um dos lados até encontrar a passagem para a outra faixa...
Assim não é surpreendente que ande pouca gente nas ruas, em Brasília, cidade de poucas sombras e de muitos automóveis e autocarros, velhos e pouco convidativos mas rápidos.
Em ambas as alas do Eixo Monumental, o zona dos Ministérios, onde está concentrada toda a Administração Federal ( não esquecer que o Brasil é um estado Federal, em que cada Estado tem também os seus poderes executivo, legislativo e judicial ), enorme complexo de edifícios todos iguais na sua ineficiência orgânica, mastodontes betonados dos anos setenta.
Mais para cima no Monumental, os SHN e SHS - sectores hoteleiro Norte e Sul, respectivamente - onde foram e estão a ser construídos os hotéis. Algumas actividades assim concentradas, desde bancos e escolas a concessionárias de automóveis, como tal são identificadas para mais facilmente se chegar lá.
O colibri tem as suas asas bem abertas, de acordo com o Plano Piloto da edificação de Brasília, designadas por Asa Norte e Asa Sul, sem mais, materializadas por rodovias de expansão nesses sentidos.
O Sul por onde se começou a fazer Brasília, mais elitista, cariz social mais elevado, com o seu Lago Sul, Clube Náutico e Campo Hípico, restaurantes mais conhecidos da cidade a abarrotar de gente bem vestida, sobretudo ao fim-de-semana.
O Norte mais popular e de "hawaianas" calçado, mas ainda e sempre com o sistema e lógica de Quadras, desenhadas no papel poderão resultar mas de difícil aplicação no terreno, onde a vitalidade das relações humanas se sobrepõe ao esquema conceptual mais rigoroso, desprovido do calor próprio de tudo o que Vive.
Se fosse possível estabelecer analogias com Lisboa ( não é, de facto ) o Sul e o Norte de Brasília seriam como que Belém e talvez Moscavide, por excesso.
Alguns dos que por cá vivem ( muito poucos cá nasceram ) apreciam a sua segurança, a possibilidade de fazer "jogging" e ciclismo ao fim-de-semana, a existência de locais "próximos" ( à escala do Brasil, próximo é até cerca de 400 kms... ) onde pulsar o Brasil ainda mais profundo. Outros esgotam os aviões com destino às suas origens, para ver família, amigos, mar e as suas iemanjás em forma de garotas de Ipanema ou de ninfas de Jericoacoara.
Cidade geométrica, rectilínea, quadricular, jovem ( celebra 50 anos dentro de 624 dias, me parece), colibri em vôo...antes tivesse a forma de mulher, a beleza da curva sensual.
Tem uma identidade que nasce na Praça do Três Poderes, em mutação para um espaço e um tempo em que acabará talvez por imperar uma lógica em que os endereços tenham nomes de pessoas e não uma designação presidiária na sua frieza ....Asa Norte, Quadra 703, Bloco C...
....o que apesar de tudo não impede a humanidade e enorme simpatia do povo brasileiro, deste povão de grande religiosidade, na sua heterogeneidade multiétnica, "melting pot" de culturas e raças, país tropical...porque hoje é Sábado, como diria o Vinicius, o branco mais preto do Brasil.
1 Comments:
não há país como o Brasil, nem povo como o seu povo.
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