ANGOLA, the times they are a-changing’
ANGOLA, the times they are
a-changing’
Nos finais de década de 90 estive três anos
consecutivos em Angola, sempre no quarto trimestre, logo a seguir à época do
cacimbo, normalmente de maio a setembro.
Circunstâncias diversas levaram a que só tenha lá voltado cerca de dez anos
mais tarde, quando a febre de construção em Luanda ainda estava nos picos, ir
de carro do hotel ao ministério da indústria era coisa para demorar uma hora,
talvez vinte minutos a pé, quase sempre a descer.
Missão comercial de empresários portugueses para
contactos com homólogos angolanos, uma sessão inaugural consagrada às relações
económicas angola/portugal, o costume, ministros a dizer que havia condições
para o seu desenvolvimento, associações garantindo que estavam a trabalhar para
isso, empresários, uns mais afoitos do que outros, na expectativa de que
houvesse oportunidades para fazerem bons negócios.
Reuniões bilaterais no hotel onde a missão estava
alojada, cada empresa com a sua agenda, horas marcadas, dados os engarrafamentos
ninguém ou quase conseguia chegar a tempo, uns cedo demais por precaução outros
tarde demais apanhados no trânsito. Ruas com betoneiras umas ao lado das
outras, também por vezes uma a seguir às outras, mas cada uma junto a uma obra
diferente, os carros a fazer slaloms no meio daquilo, tudo jóia.
Uma confusão, mas tudo calmo, o único stressado era
eu. Uma agenda que não se pode respeitar é pior do que uma agenda que não
existe, tipo “todos ao molho e fé em deus”. O fim chegou sem mortos nem
feridos, alguns empresários satisfeitos, outros menos, um ou outro
decepcionado, pensando que numa primeira ida iriam conseguir o negócio da vida.
O pior viria depois, lá está ainda, a crise do
petróleo, a queda dramática das receitas, a falta de divisas para pagamento de
compromissos assumidos. No fundo no fundo a população, uns muitos por cento,
mas mesmo muitos, a viver na miséria, acaba por não sofrer o que talvez se
imagine, passam da condição de pobres à condição de pobres, continuam portanto
pobres, sempre. Sempre.
Recordo um de dois americanos do pam-programa
alimentar mundial que no bar do hotel falavam sobre o que tinham encontrado no
país, o que por lá viviam, a história do miúdo que respondia à pergunta sobre o
cereal de que era feita a farinha que lhes era distribuída com um singelo é o
pam.
O mais veterano dos dois, estava de facto a dar as
boas vindas ao outro ainda recém-chegado, sintetizava de um modo único o povo
angolano, uma tristeza tropical escondida no olhar das crianças.
Tudo tem um fim, a missão também, que me lembre
embarque demorado porque a maioria de nós tinha o check in electrónico, daí o
ter-se acumulado muito mais gente nessa fila do que na normal, digamos.
Em dezembro 2016 voltei, uma missão de formação
relativa à integração regional no sul da áfrica e perspectivas de angola nesse
contexto, dez dias contínuos no hotel, sessões de formação de manhã, a tarde
para preparar a jornada seguinte, a maior parte dos dias uma ou duas refeições
ligeiras no bar, o ar condicionado a tirar a vontade de sair para o calor da
rua, alguma sensação de insegurança. Convidado, jantar na ilha de luanda uma
vez, com vista para a cidade, à noite luanda é mais bonita vista do exterior,
almoço também uma vez, então virado para o mar, este já de despedida antes de
seguir para o aeroporto.
A riqueza de alguns a esmagar a miséria de quase todo,
a atitude sobranceira de alguns ricaços novos falando com os outros, velhos
pobres, a decisão de não voltar, o meu amor por áfrica e suas gentes não se compadece
com a vontade de não ajudar aquele regime e seus agentes, ainda que apenas em
alguma formação técnica.
Mas, é bem-vindo este mas.
Mas nessa estadia sabia-se já que o presidente quase
vitalício de angola não estava bem de saúde, o que o levou a anunciar que não
iria candidatar-se a novo mandato, mantendo porém a posição de secretário-geral
do partido no poder desde a independência.
Não entrando aqui em análises do que se tem passado em
Angola desde que o novo presidente iniciou as suas funções, uma palava porém
para saudar todos aqueles que ao longo do tempo longo, longo, como o tempo da
guerra em Nambuangongo, o tempo da guerra é sempre longo, demasiado longo,
esses que no silêncio, no seu íntimo, ou com mais visibilidade pública, com
muita coragem e determinação não se renderam.
Mesmo quando presos, foram ele os homens mais livres
de angola.
Rafael Marques. Luaty Beirão. O futuro de Angola será
convosco.
Venha o Bob Dylan e outros amigos também.
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