segunda-feira, janeiro 08, 2018

ANGOLA, the times they are a-changing’



ANGOLA, the times they are a-changing’

Nos finais de década de 90 estive três anos consecutivos em Angola, sempre no quarto trimestre, logo a seguir à época do cacimbo, normalmente de maio a setembro. Circunstâncias diversas levaram a que só tenha lá voltado cerca de dez anos mais tarde, quando a febre de construção em Luanda ainda estava nos picos, ir de carro do hotel ao ministério da indústria era coisa para demorar uma hora, talvez vinte minutos a pé, quase sempre a descer.
Missão comercial de empresários portugueses para contactos com homólogos angolanos, uma sessão inaugural consagrada às relações económicas angola/portugal, o costume, ministros a dizer que havia condições para o seu desenvolvimento, associações garantindo que estavam a trabalhar para isso, empresários, uns mais afoitos do que outros, na expectativa de que houvesse oportunidades para fazerem bons negócios.
Reuniões bilaterais no hotel onde a missão estava alojada, cada empresa com a sua agenda, horas marcadas, dados os engarrafamentos ninguém ou quase conseguia chegar a tempo, uns cedo demais por precaução outros tarde demais apanhados no trânsito. Ruas com betoneiras umas ao lado das outras, também por vezes uma a seguir às outras, mas cada uma junto a uma obra diferente, os carros a fazer slaloms no meio daquilo, tudo jóia.
Uma confusão, mas tudo calmo, o único stressado era eu. Uma agenda que não se pode respeitar é pior do que uma agenda que não existe, tipo “todos ao molho e fé em deus”. O fim chegou sem mortos nem feridos, alguns empresários satisfeitos, outros menos, um ou outro decepcionado, pensando que numa primeira ida iriam conseguir o negócio da vida.
O pior viria depois, lá está ainda, a crise do petróleo, a queda dramática das receitas, a falta de divisas para pagamento de compromissos assumidos. No fundo no fundo a população, uns muitos por cento, mas mesmo muitos, a viver na miséria, acaba por não sofrer o que talvez se imagine, passam da condição de pobres à condição de pobres, continuam portanto pobres, sempre. Sempre.
Recordo um de dois americanos do pam-programa alimentar mundial que no bar do hotel falavam sobre o que tinham encontrado no país, o que por lá viviam, a história do miúdo que respondia à pergunta sobre o cereal de que era feita a farinha que lhes era distribuída com um singelo é o pam.
O mais veterano dos dois, estava de facto a dar as boas vindas ao outro ainda recém-chegado, sintetizava de um modo único o povo angolano, uma tristeza tropical escondida no olhar das crianças.
Tudo tem um fim, a missão também, que me lembre embarque demorado porque a maioria de nós tinha o check in electrónico, daí o ter-se acumulado muito mais gente nessa fila do que na normal, digamos.
Em dezembro 2016 voltei, uma missão de formação relativa à integração regional no sul da áfrica e perspectivas de angola nesse contexto, dez dias contínuos no hotel, sessões de formação de manhã, a tarde para preparar a jornada seguinte, a maior parte dos dias uma ou duas refeições ligeiras no bar, o ar condicionado a tirar a vontade de sair para o calor da rua, alguma sensação de insegurança. Convidado, jantar na ilha de luanda uma vez, com vista para a cidade, à noite luanda é mais bonita vista do exterior, almoço também uma vez, então virado para o mar, este já de despedida antes de seguir para o aeroporto.
A riqueza de alguns a esmagar a miséria de quase todo, a atitude sobranceira de alguns ricaços novos falando com os outros, velhos pobres, a decisão de não voltar, o meu amor por áfrica e suas gentes não se compadece com a vontade de não ajudar aquele regime e seus agentes, ainda que apenas em alguma formação técnica.
Mas, é bem-vindo este mas.
Mas nessa estadia sabia-se já que o presidente quase vitalício de angola não estava bem de saúde, o que o levou a anunciar que não iria candidatar-se a novo mandato, mantendo porém a posição de secretário-geral do partido no poder desde a independência.
Não entrando aqui em análises do que se tem passado em Angola desde que o novo presidente iniciou as suas funções, uma palava porém para saudar todos aqueles que ao longo do tempo longo, longo, como o tempo da guerra em Nambuangongo, o tempo da guerra é sempre longo, demasiado longo, esses que no silêncio, no seu íntimo, ou com mais visibilidade pública, com muita coragem e determinação não se renderam.
Mesmo quando presos, foram ele os homens mais livres de angola.
Rafael Marques. Luaty Beirão. O futuro de Angola será convosco.
Venha o Bob Dylan e outros amigos também.