PAI
A marcha do Tempo é linear, contínua, sem intervalos para pensar e eventualmente arrepiar caminho. O Tempo segue sempre o seu, ainda que venha a encontrar as pessoas num percurso diferente daquele que iniciaram. Não há paragens, por mais ousado que seja o gesto para tentar interromper a sua marcha.
Assim se vai desenhando o lento tecer da malha da vida de cada um, única e irrepetível, assim se guarda a memória de um gesto, de um sorriso, de uma lágrima, de uma alegria, de uma madrugada de saudade.
No fim perdurará apenas o silêncio; todo o ser humano se extinguirá no momento em que o património de afectos de que foi bordando a sua vida não resistir mais à usura do tempo, a uma bruma cada vez mais espessa envolvendo o dia de anos, a viagem que fizemos juntos àquele lugar mágico em que o abraço nos deu força, o sonho que partilhámos e nos manteve vivos, o poema mil vezes iniciado, a brisa ainda morna de um fim de tarde à beira mar.
Cúmplice, o olhar do outro.
Até que o nevoeiro da noite tudo envolva, apague o traço e assim a memória se renda….sabes ainda o dia em que fazia anos ? Quantas pessoas se lembram do meu Pai ? Uma ? Duas ? Dez ?
Lembro-me dos seus silêncios, que ensinavam mais do que um tratado de psicologia humana, lembro-me de passear com ele pelos montes da Serra e de o ver parar e olhar para cima, para aquela imensidão de granito que o chamava, de o ver medir o tempo na sombra das pedras e dizer: são horas de voltar, o almoço já deve estar quase pronto.
Lembro-me de o ver a afiar pacientemente o canivete naquela laje que para isso servia, sempre em cima do tanque, para humedecer antes do uso.
Lembro-me de o ver cortar a fatia de melão, à sombra da latada nas tardes de Verão que por vezes nos trazia o som longínquo de uma voz de mulher chamando pelo filho, lá bem perto dos bois que nesse tempo ainda puxavam o arado… Zézito, anda cá, meu filho da puta !
Lembro-me de o viver e sentir sempre de consciência tranquila.
Lembro-me de uma vez, quando me zanguei com um dos filhos a ponto de lhe chamar parvo, me ter dito, serenamente, sem levantar a voz, como quem apenas sugere na certeza da sua razão: nunca insultes um filho !
A roda do tempo foi girando, hoje sou rico de quê ? Sou rico do meu passado; o que é um homem se não as memórias do que viveu, o que foi construindo, as ilusões que perseguiu, as vitórias que teve, as lágrimas que chorou, o som do vento que abraçou lá no alto da falésia, a chuva de que se abrigou, o que não soube fazer, a criança que foi e procurou guardar, os filhos que teve.
Hoje tenho a percepção exacta de que os meus filhos são a minha maior riqueza, certo dos afectos que me foram fazendo, de que os filhos dos seus filhos ainda talvez digam aos filhos deles que andou por aí algures um homem que também gostava de berlindes, redondos e bem coloridos, como o coração dos poetas.
Guardo-vos em mim, pilares da minha vida.
A marcha do Tempo é linear, contínua, sem intervalos para pensar e eventualmente arrepiar caminho. O Tempo segue sempre o seu, ainda que venha a encontrar as pessoas num percurso diferente daquele que iniciaram. Não há paragens, por mais ousado que seja o gesto para tentar interromper a sua marcha.
Assim se vai desenhando o lento tecer da malha da vida de cada um, única e irrepetível, assim se guarda a memória de um gesto, de um sorriso, de uma lágrima, de uma alegria, de uma madrugada de saudade.
No fim perdurará apenas o silêncio; todo o ser humano se extinguirá no momento em que o património de afectos de que foi bordando a sua vida não resistir mais à usura do tempo, a uma bruma cada vez mais espessa envolvendo o dia de anos, a viagem que fizemos juntos àquele lugar mágico em que o abraço nos deu força, o sonho que partilhámos e nos manteve vivos, o poema mil vezes iniciado, a brisa ainda morna de um fim de tarde à beira mar.
Cúmplice, o olhar do outro.
Até que o nevoeiro da noite tudo envolva, apague o traço e assim a memória se renda….sabes ainda o dia em que fazia anos ? Quantas pessoas se lembram do meu Pai ? Uma ? Duas ? Dez ?
Lembro-me dos seus silêncios, que ensinavam mais do que um tratado de psicologia humana, lembro-me de passear com ele pelos montes da Serra e de o ver parar e olhar para cima, para aquela imensidão de granito que o chamava, de o ver medir o tempo na sombra das pedras e dizer: são horas de voltar, o almoço já deve estar quase pronto.
Lembro-me de o ver a afiar pacientemente o canivete naquela laje que para isso servia, sempre em cima do tanque, para humedecer antes do uso.
Lembro-me de o ver cortar a fatia de melão, à sombra da latada nas tardes de Verão que por vezes nos trazia o som longínquo de uma voz de mulher chamando pelo filho, lá bem perto dos bois que nesse tempo ainda puxavam o arado… Zézito, anda cá, meu filho da puta !
Lembro-me de o viver e sentir sempre de consciência tranquila.
Lembro-me de uma vez, quando me zanguei com um dos filhos a ponto de lhe chamar parvo, me ter dito, serenamente, sem levantar a voz, como quem apenas sugere na certeza da sua razão: nunca insultes um filho !
A roda do tempo foi girando, hoje sou rico de quê ? Sou rico do meu passado; o que é um homem se não as memórias do que viveu, o que foi construindo, as ilusões que perseguiu, as vitórias que teve, as lágrimas que chorou, o som do vento que abraçou lá no alto da falésia, a chuva de que se abrigou, o que não soube fazer, a criança que foi e procurou guardar, os filhos que teve.
Hoje tenho a percepção exacta de que os meus filhos são a minha maior riqueza, certo dos afectos que me foram fazendo, de que os filhos dos seus filhos ainda talvez digam aos filhos deles que andou por aí algures um homem que também gostava de berlindes, redondos e bem coloridos, como o coração dos poetas.
Guardo-vos em mim, pilares da minha vida.