A vida tem-me trazido a sensação de não passar de uma pequena partícula incerta de um Espaço e de um Tempo, cuja escala coloca o ser humano como fracção translúcida de uma brisa que passa, apenas percepcionável por alguns. Mas passa, como os Deuses decerto gostam, quando por vezes nos sentimos ser donos, até deles.
Nesse espaço e nesse tempo, em 19 de Outubro nasceu a minha primeira filha. A alegria de a ver ainda muito frágil, o espanto por ela, a surpresa da emoção.
Lembro-me de ter saído da maternidade para ir fazer o meu último exame em "Económicas", no velho Quelhas. Ao aperceber-se do meu estado, o bom do Prof. Ludovico perguntou-me de imediato o que se passava comigo: ao dizer-lhe, senti que ia finalmente ver-me livre da Contabilidade, aquele monstro que evitara durante dois anos mas que agora ia "pegar pelos cornos", pois era a única cadeira que faltava fazer. Uma pergunta, não me recordo se acertei, "pode ir-se embora, parabéns ".
Saí da sala de exame seriam uma 10 h da manhã, o dia estava cinzento, os primeiros Outonos a abraçarem a cidade. Não houve festa, não estava mais ninguém presente, os saltos e gritos de alegria com que imaginara acabar o meu curso foram substituídos por um intensa solidão, a não partilha egoísta tinha-se apoderado de todo o meu ser, cabeça e corpo; era PAI !
Como me disse baixinho o tio Zé de um modo magistral, na sua simplicidade, este foi o dia em que dei um "grande pontapé na vida". Saravah, tio Zé !
A vida foi passando, fluindo entre as nossas esperanças, as nossas dores, as alegrias e os sonhos, o sabor do pêssego suculento e a sede do copo ritual. Senti-te sempre por perto, mesmo quando tu própria precisavas de me ter mais junto a ti, de um gesto de ternura que pressentias, apenas. Aqui me tens, quando ao olhar para o horizonte já vejo as luzes da nova alvorada, em Cesareia.
Agora que o Manel já é um adolescente a espreitar o mundo adulto, vem aí o Matias ! Viva a Vida !
Para ti, um beijinho grande. Amo-te, Marta !